Cusco – Iniciando a jornada pelo Vale Sagrado
Vou começar esse texto de um modo diferente desta vez. Nosso destino inicial foi Cusco, mas não é sobre ele que vou falar neste momento. Por hora, não vou descrever a cidade, o modo como chegamos até lá e assim por diante. Para esta viagem, meu roteiro implicitamente estabelecido não funciona. Contrariando meu próprio script, desta vez começo falando de mim. Em primeira pessoa, sem filtros.
Os dias que vivi na região em Cusco e na região do Vale Sagrado, no Peru, foram inesquecíveis. As paisagens são lindas, a comida é espetacular, as pessoas são maravilhosas e os companheiros de viagem foram ótimos.
Ainda assim, desta viagem, o mais importante para mim foram as transformações pessoais que eu vivi. Não que eu as tenha identificado imediatamente após o retorno para casa. Muito menos que tenha notado qualquer mudança durante a viagem.
Ao contrário, até poucos dias atrás, minha percepção é que essa viagem para o Vale Sagrado era apenas mais uma da lista. Aliás, não poucas vezes repeti para mim e para os companheiros de viagem que o passeio não havia sido, assim, tão espetacular. Contrariando muitas pessoas que se referiam a Machu Pichu como um lugar mágico, me diverti afirmando não ter encontrado a magia, nem no alto nas montanhas que, orgulhosamente, subimos.
Mas hoje, quase trinta dias depois do retorno, sinto que as experiencias vividas foram muito maiores do que dimensionei. Situações boas, ruins, delicadas e constrangedoras, que nos obrigam a pensar, refletir sobre decisões e sobre os porquês. Tudo isso fez com que a viagem fosse única, realmente mágica, absurdamente empolgante e certamente inesquecível.
O fato é que, quem se propõe a desbravar esse mundo tão vasto e exótico, tem que estar com o coração aberto para receber experiencias, críticas e conhecimento, que pode vir de várias formas diferentes.
Como disse bem no início, esse relato não é apenas sobre a viagem ao Peru. É sobre como viajar pode mudar uma pessoa, como conhecer outras culturas pode ser transformador na vida de alguém. Agora, essa mudança, essa evolução enquanto ser humano, só é possível se estivermos abertos a isso. Como dizem por aí, a mente é igual paraquedas. Só funciona quando aberta.
Saímos com destino à região do Vale Sagrado bem no meio do mês de julho. Altíssima temporada. Sinônimo disso: preços salgados, aeroportos cheios, uma muvuca de turistas em todos os lugares. Faz parte do jogo.
Embora não tenhamos o hábito de viajar na temporada, desta vez tivemos companhia na viagem. Um casal de amigos, desses mais chegados que irmãos, e o filho deles, adolescente, nos acompanhou na jornada. Por causa disso, inclusive, viajamos em julho, durante as férias escolares.
Na nossa equipe, então, além de mim e do Fellipe, estavam Elaine (a crosfiteira), Yuri (o adolescente flautista) e Tarciso (o destemido). Praticamente um esquadrão desbravador, com todas as qualidades, limitações e diferenças de um grupo de amigos.
Moramos todos em Rondônia e, apesar de estarmos relativamente perto do Vale Sagrado, optamos por ir de avião e não de carro, como é mais comum por aqui. Muitas pessoas vão por via terrestre até Cusco, saindo de Rondônia e passando pelo Acre, até chegar ao Peru.
Não tínhamos muito tempo disponível e confesso que não sou uma grande fã de longas viagens de carro, principalmente como esta, em que a maior parte do caminho é composto de paisagens não tão interessantes para mim. Assim, saímos de Vilhena e fomos de carro apenas até Cuiabá. De lá, fomos de avião até Cusco, onde chegamos na manhã do dia 19 de julho, depois de uma infinidade de conexões.
Em Cusco fazia frio. É o que posso dizer com mais firmeza sobre a nossa chegada. Saímos desse Brasil tropical, do clima “ameno” de Cuiabá e desembarcamos em Cusco às seis da manhã, quando os termômetros estavam próximos de zero grau.
Primeiro passo em uma situação dessas: abrir as malas desesperadamente à procura de roupas mais quentinhas. Depois que todos já estávamos agasalhados, sacamos dinheiro no aeroporto mesmo e seguimos, de táxi, até o Hostel Milhouse que havíamos reservado alguns meses antes.
O check in no hostel começava apenas às 15h. Estávamos cansados, com frio, com sono e com fome. Tivemos que lidar com isso. Para amenizar um pouco a situação, o pessoal do hostel permitiu que tomássemos café da manhã, como cortesia. Além disso, guardaram nossas bagagens e ficamos jogados na área comum descansando um pouco.
Depois de recobrar um pouquinho as forças e tomar bastante chá de coca para aguentar a altitude, fomos dar nossa primeira voltinha por Cusco. O hostel é muito bem localizado, bem pertinho da Plaza de Armas, onde todo o burburinho acontece. Para nossa sorte, além da movimentação normal da região, estava ocorrendo uma incrível programação em homenagem à Mamma Assunta, que misturava a doutrina convencional da Igreja com a cultura local.
Fomos até lá caminhando e percebemos, ofegantes, que o mal da altitude existe mesmo. Alguns passinhos e já rolava uma falta de ar monstruosa. Era preciso ter cautela e bastante paciência.
Fomos com calma, fizemos apenas caminhadas mais curtas, entramos em algumas lojas de artesanato e paramos para comer em um café chamado Panan, no meio na manhã. Minha primeira impressão da aclamada comida peruana não poderia ser melhor. O café era uma graça e os lanchinhos estavam muito bons.
Passeamos mais um pouco e voltamos para o hostel, onde ficamos deitados em alguns pufes na área externa, aguardando o horário do nosso check in. Algum tempo depois, estávamos nos quartos, que ficavam em um prédio anexo ao Hostel.
Os quartos eram bem simples, menos divertidos que o Hostel, mas eram privativos, inclusive com banheiro. Me pareceu que estavam improvisando e nos colocando lá porque não havia espaço no Hostel. De toda forma, era praticamente ao lado e todas as áreas comuns do Hostel poderiam ser usadas. Não era o melhor dos quartos, mas não era ruim.
Deixamos as coisas no quarto, tomamos banho e já saímos para almoçar. Eram quatro da tarde e a fome começava a apertar. Começamos em grande estilo, indo até o restaurante Papachos, do estrelado Chef Gaston Acurio, que também comanda o Chicha, também em Cusco, e tantos outros restaurantes pelo mundo afora.
A especialidade do Papachos é hamburguer, então todos nós pedimos isso. Todos estavam excelentes. Deliciosos e bem apresentados. Falando especificamente do que pedi, posso dizer, sem sombra de dúvidas, que ocupa o top five da minha lista de melhores da vida.
Encerramos nossa refeição e voltamos para o hostel, onde, enfim, fomos descansar para valer. De lá, saímos à noite para o Bar do hostel onde comemos umas besteiras e tomamos cervejas.
No outro dia, acordamos cedo, tomamos café no hostel e fomos andar pela cidade. Havia um monte de planos para o dia, mas nos empolgamos um pouco demais pela manhã e acabamos fazendo mais esforço físico do que devíamos.
Nada menos que subir uma imensidão de escadas pelo bairro San Blás e atravessar áreas periféricas até chegar ao Cristo Blanco. Coisas malucas que fazemos e depois não sabemos bem o porquê. Essa atração nem estava na lista, mas sabe aquela ideia tola que parece boa por alguns segundos? Foi bem isso.
Estávamos em San Blas, que já era uma subidinha de respeito. Aí, como todos estavam aparentemente bem, resolvemos subir mais um pouco… de degrau em degrau chegamos ao mirador El Cristo Blanco, que possibilita uma vista bem bonita das ruínas de Saqsaywaman e de toda a cidade de Cusco.
Infelizmente houve um preço a pagar por essa peripécia. Três membros da nossa equipe ficaram bem baqueados. O mal da altitude, conhecido como soroche, pegou de jeito. Por conta disso, os outros passeios que seriam feitos à tarde foram cancelados. Depois de muito chá de coca e remédios próprios para a situação, eles foram melhorando.
Não posso falar muito sobre o soroche porque não tive sintomas. Com exceção de uma pequena dificuldade para respirar, não experimentei nenhum desconforto. Alias, do grupo, eu e Tarciso tivemos a sorte de não passar mal por conta da altitude. Os outros, em maior ou menor grau, tiveram tonturas, enjoos, dores de cabeça e vômito.
Considerando essa peculiar situação de convalescência, neste dia não saímos para almoçar ou jantar. Por volta das 16 horas fomos, eu e Fellipe, até o Deli Monastério, onde comi uma empanada de carne deliciosa. Fellipe, coitado, não conseguiu aproveitar o momento.
Voltamos para o hostel e por lá ficamos. À noite jantei no Bar mesmo, já que ninguém estava com ânimo para sair. Na verdade, eu estava animada, mas sozinha pelas ruas de Cusco não ia ser muito divertido. Além do mais, uma dose de companheirismo é importante.
O nosso próximo dia era destinado a passear pela região, mais especificamente por Maras e Moray. Não havíamos fechado o passeio antes e optamos por não contratar na véspera em razão do estado de saúde dos companheiros. Não dava para saber se eles estariam em condições de enfrentar a rotina puxada de caminhadas e viagens de carro pelas cidades em volta de Cusco, então deixamos para decidir em cima da hora.
No outro dia cedo, vendo que todos estavam mais recompostos, após deliberação quanto ao assunto, com a ajuda da atendente do hostel, saímos em busca de alguma agência que nos levasse para o passeio. Não conseguimos. Todas estavam cheias.
Nos restou, então, contratar um taxi para o passeio. No final das contas saiu mais barato que o pacote com a agência e foi muito bom, pois tínhamos mais liberdade no trajeto, inclusive ficando mais tempo nos locais que achamos mais interessantes.
Acabou que saímos de Cusco às 08h30 e voltamos por volta das 16. A primeira parada do roteiro foi a cidadezinha de Chinchero, onde o motorista nos levou para conhecer um grupo de artesãs locais mostram parte do processo de produção de peça de lã de alpaca.
No local, há lhamas e alpacas, que você pode fotografar bem de pertinho. Para os mais animados dá até pra acariciar (ou pegar no colo, para os mais animados ainda). Há também alguns cuys, porquinhos da índia bem fofinhos, que fazem parte da culinária típica local.
Depois de conhecer um pouco sobre a produção de corantes e tratamento da lã de alpaca, compramos algumas peças para ajudar a comunidade e seguimos para as primeiras ruínas do passeio.
Em seguida, fomos para a salineira de Maras, um lugar muito interessante, diferente de tudo que eu já vi na vida. Confesso que não esperava que a visita fosse tão interessante. É que a gente vai tão focado em ruínas, que acaba não dando muito crédito para outras coisas. No final, foi um dos pontos altos do dia, ao menos para mim.
Saindo de lá, fomos até Moray, aí sim para ver mais sítios arqueológicos incas. Esse local, especificamente, é bem famoso pelos impressionantes terraços em círculos, que formam um visual fascinante, supostamente utilizados para melhoramento de sementes pelos povos nativos antigos.
Encerramos o passeio por Moray e retornamos para Cusco. Chegamos e fomos direto ao restaurante Nuna Raymi, onde almoçamos. O restaurante é uma portinha discreta e escondida perto da Plaza, mas surpreende pelo tamanho e pela beleza. Eles têm uma proposta sustentável e orgânica bem bacana, inclusive, na parte dos fundos do restaurante há uma espécie de horta bem simpática. Quase todos os pratos pedidos agradaram. A exceção foi uma truta com laranja, que, apesar de linda, estava um pouco doce demais para nosso paladar.
De lá, seguimos a pé para o hostel, onde fomos descansar e ajeitar as coisas para o outro dia, em que seguiríamos para a cidade de Ollantaytambo (carinhosamente apelidada de Ollanta), passando antes por Pizac. Gostamos tanto do passeio com o taxista, que desistimos de contratar uma agência em Cusco para o passeio e fechamos com ele mesmo para a manhã seguinte.
Para jantar, escolhemos o Hanz Craft Beer, uma mistura de restaurante autoral e cervejaria. O ambiente do lugar é bem intimista, as bebidas estavam ótimas e a comida também. Pedi um risoto com lomo saltado que estava espetacular, acompanhado de um tradicional (e enorme) chilcano, uma bebida local feita com pisco.
No outro dia, acordamos cedinho, ajeitamos as bagagens, fizemos check out no hostel, já que ficaríamos alguns dias fora, deixamos no guarda volume as malas maiores e seguimos apenas com as mochilas menores.
Decidimos fazer isso porque parte do nosso roteiro dos próximos dias incluía deslocamentos de trem, onde não há muito espaço para volumes maiores. Além disso, nosso destino final era a cidadela de Águas Calientes e não seria muito prático ficar carregando malas pelas ruas de pedra.
O fato é que, por volta das oito da manhã, com uma chuvinha gelada, deixamos Cusco para trás. Por indicação de nosso motorista, paramos no Santuário Animal de Ccochahuasi, onde pudemos conhecer o trabalho de uma ONG que acolhe animais nativos em situação de vulnerabilidade até sua recuperação e possível liberação na natureza.
Lá vimos de perto o famoso Condor, uma espécie endêmica de urso (que nem sabíamos que existia) e alguns outros animais comuns da região. Foi uma ótima indicação do motorista, que neste momento ganhou vários pontos conosco.
Seguimos então para Pizac, onde chegamos ainda cedo e conseguimos aproveitar bastante. Assim como boa parte das atrações, Pizac é basicamente um conjunto de construções incas, surpreendentemente bem preservadas. Uma coisa que me chamou bastante atenção é que o lugar é composto por alguns distritos, como um povoado e seus bairros. São vários conglomerados de construções, que cobrem a encosta da montanha.
Saindo de Pizac, fomos para Urubamba, onde almoçamos por indicação do taxista. Está aqui o único deslize do nosso motorista. Sabe aqueles restaurantes totalmente fajutos, bem pega turistas? Pois era assim o Inka’s House. Uma cilada completa. Infelizmente não tivemos muito escolha. Estava tarde, não havíamos planejado almoçar por lá e não tínhamos nem como pesquisar outro lugar. Acabei achando melhor não arriscar e fiquei só no arroz e legumes cozidos, tudo temperado com ódio. Os companheiros experimentaram outras coisas e, pelo que consta, ninguém passou mal.
Ah, além de ruim que só, o almoço tinha um preço fixo e astronômico. Acho que uma das refeições mais caras de viagem. Não sei nem se consegui disfarçar minha vontade de matar o motorista, mas, enfim, precisávamos dele vivo para nos levar até Ollantaytambo, então nada de assassinatos.
Seguimos para nosso próximo destino e, dado o adiantar da hora, fomos direto para as ruínas. Lá, deixamos as coisas no carro e o motorista nos aguardou pacientemente no estacionamento, enquanto subíamos todas as escadas possíveis e admirávamos, encantados, o sol colorindo as ruínas na encosta da montanha.
Encerramos o passeio e fomos para o hotel Casa del Abuelo, reservado pelo Booking como os demais. O hotel foi uma grata surpresa. Muito confortável e bem charmoso, localizado às margens do Rio e bem pertinho do centrinho da cidade.
Deixamos as nossas coisas por lá e fomos procurar alguma coisa para comer. Eu havia pesquisado um restaurante, mas chegando lá não tivemos uma boa impressão. Parte do grupo resolveu comer empanadas no concorrente, que não lembro o nome. Achei melhor não arriscar, porque morro de medo de passar mal. Enquanto eles comiam, pesquisei outras opções e acabamos descobrindo um café chamado Café del Abuelo, bem perto de onde estávamos. Resolvemos ir até lá e ver se era interessante.
E não é que era bem legal? O lugar é bem bonito, pequeno, mas aconchegante. Pedimos cafés, bolo, doces e outras delícias. Estava tudo muito bom.
De barriguinha cheia, voltamos para o Hotel e fomos descansar um pouco. À noite fomos jantar no El Albergue, que fica dentro do Hotel com o mesmo nome, que por sua vez fica, literalmente, dentro da estação de trem. O restaurante é pequeno e concorrido, então fizemos reserva por telefone algumas horas antes para não correr o risco de ficar sem uma mesa.
Fomos caminhando até lá. Não era muito pertinho, coisa de meia hora de caminhada, mas foi um percurso bem agradável. Chegamos lá e nossa mesa estava esperando. Para acompanhar nosso jantar pedimos um vinho que estava muito bom. Voltamos para o hotel caminhando novamente, sempre acompanhado por simpáticos cachorros que ficam pela rua. Um deles, inclusive, apelidado de Bilu, adotou o Yuri como família e nos seguiu até o centro da cidade.
Depois de despistarmos Bilu, chegamos ao Hotel, ficamos fazendo hora na sala de estar e fomos descansar. No outro dia de manhã tomamos café lá mesmo, fomos caminhando até a entrada das ruínas e tiramos algumas fotos. O tempo não ajudou muito, então voltamos para o hotel e fomos aprontar as coisas para sair. Nossa estada por Ollanta era curta, pois as 11 tínhamos que estar na estação para seguir viagem.
Mais uma vez fizemos o trajeto até a estação a pé. Chegamos lá e fomos até o guichê da empresa Incarail, onde havíamos comprado os bilhetes pela internet. Trocamos os vouchers pelas passagens e fomos para uma salinha minúscula e super cheia, onde, em tese, poderíamos esperar pela hora da viagem.
Olha, organização não é o forte deles. Ficamos menos de dez minutos nesta salinha e já nos chamaram para entrar, de fato, na estação. Estava bem cedo, mas imaginei que haveria uma sala de embarque ou algo assim. Ledo engano, fomos seguindo a funcionária até uma sala menor ainda que a primeira, onde uma multidão se espremia (todos em pé), enquanto aguardava o trem. Para tornar ainda mais caótico, um grupo de artistas estava se apresentando, tocando músicas locais em um volume bem alto. Essa agonia durou bem uns 15 minutos, que pareceram uma eternidade.
Ainda bem que o trem chegou na hora e conseguimos embarcar sem maiores problemas. A viagem, em si, foi bem tranquila. As poltronas eram confortáveis e o percurso realmente lindo. Depois de duas horinhas mais ou menos chegamos a Aguas Calientes, onde começa mais um capítulo da nossa aventura, que você vai acompanhar no próximo post…
Show….
Esse país é maravilhoso! Vale cada momento! adooooro