Levain – O primeiro passo para a fermentação natural

Senhoras e senhores, este é um post importantíssimo para a sessão gastronomia deste blog, mas não é bem uma receita. É uma confissão, com declaração de amor e muito, mas muito orgulho. Vamos falar sobre fermentação natural e, como estrela de tudo isso, o levain.

Levain, também conhecido como massa madre, nada mais é do que um tipo de fermento natural, feito a partir da ação natural do tempo, somado às leveduras, água e farinha. Entender a dinâmica desse processo, de construção do fermento, de utilização e manutenção dele é fundamental para ter sucesso na arte da panificação.

Sabe essa ideia que o mundo nos vende, de que temos que ser ágeis, fazer tudo para ontem, olhando no relógio o tempo todo? A arte de trabalhar com fermentação natural é o oposto disso tudo, já que nos ensina a respeitar o tempo das coisas, um tempo que não nos pertence. Nos obriga a esperar, observar e aprender a controlar a ansiedade. Talvez por isso, muitas pessoas tenham se aventurado na arte da panificação nesta pandemia…

Bom, em termos mais práticos e menos poéticos, em geral pães precisam de fermento. Partindo desta premissa, podemos usar fermento biológico seco ou fresco e podemos usar fermentação natural. É exatamente aqui que entra o levain e os fermentos coloniais (fermento de cristo e fermento de frutas ou batata), usados por quase todas as gerações anteriores.

Aliás, uma lembrança que sempre tive foi da minha mãe e da minha avó fazendo pães com fermentos coloniais. Não porque era moda ou porque estavam tentando ser mais saudáveis, mas porque morávamos em uma área rural longe de qualquer cidade e não havia eletricidade ou supermercado perto, de modo que o fermento colonial era o único fermento por lá. Sem dúvida os tempos eram outros…

Mas voltando à saga deste post, logo que resolvi começar a fazer pães com fermentação natural, ganhei amostras de dois fermentos coloniais, um de batata e outro de farinha de trigo e açúcar, conhecido como fermento de Cristo. Ambos são maravilhosos para pães caseiros, que ainda aparecerão por aqui, mas eu ainda precisava conseguir uma amostra de levain, pois muitas receitas, a exemplo do pão italiano dessa foto, precisam dele especificamente.

Procurei bastante por alguém na minha região que pudesse me doar uma amostra, mas não consegui. Foi aí que resolvi fazer o próprio fermento. “Afinal de contas, não deve ser complicado”, pensei. Quanta inocência. Complicado não é mesmo, mas qualquer detalhe coloca tudo a perder e olha, se teve uma coisa que aprendi foi lidar com a frustração.

Foram meses tentando. Perdi a conta de quantas vezes o processo todo foi por água abaixo. Enfim, graças às dicas que encontrei no site Comida Com Afeto, um blog maravilhoso por sinal, tive sucesso e consegui dar vida ao meu querido fermento, que está comigo há mais de 9 meses.

Como fiz o meu Levain:

Misturei 15 gramas de farinha de trigo integral, 30 gramas de farinha de trigo branca, 35 ml de água morna e 10 gramas de iogurte natural. Coloquei em uma vasilha de vidro, cobri com plástico filme e deixei guardado, em temperatura ambiente, por 48 horas. Nesse tempo, de vez em quando eu ia olhar pra ver se algo estava se passando por lá. E já foi possível ver algumas bolhas se formando.

Passadas as 48 horas, adicionei mais 10 gramas de farinha de trigo integral, 65 gramas de farinha de trigo branca e 35 ml de água morna. Depois disso, fechei com o plástico e deixei ele lá por mais 48 horas.

Depois desse descanso adicionei 100 gramas de farinha de trigo branca e 75 ml de água morna. Fechei novamente e deixei lá por 12 horas.

No fim desse tempo, o milagre da fermentação havia acontecido. O fermento estava lindão. Cheio de bolhas. Não resisti e já fui atrás de uma receita para inaugurar o fermento. Retirei uma pequena parte para usar na receita e guardei o restante na geladeira, para ser minha amostra.

Como usar e cuidar do levain:

Uma das dúvidas que eu tive era saber o que fazer com o levain pronto. Não digo quanto à utilização nas receitas em si, mas quanto ao modo de armazenamento e manutenção, afinal é um ser vivo. Achava lindo quando via o povo falando “nossa, tenho o mesmo fermento há anos”, mas não fazia muita ideia de como isso era possível, muito menos de que era viável.

Justamente por isso, acho importante detalhar melhor essa rotina de cuidados que o fermento demanda. Vejam bem, o levain é um fermento vivo, que precisa ser alimentado de tempos em tempos. Alimentar o fermento significa acrescentar água e farinha, em proporções que variam de método pra método, a fim de que o fermento não estrague. É comum que se use a palavra “refrescar” para se referir a esse processo.

Antes de usar o fermento em uma receita qualquer, ele precisa estar bem forte, no ápice da fermentação. Para isso, necessariamente, temos que refrescar o levain, ou seja, temos que alimentar ele e esperar que atividade de fermentação esteja bem potente. Só aí é que ele pode ser usado.

Se a pessoa faz pão todo santo dia, não tem muito com o que se preocupar, já que o levain estará sempre alimentado e, portanto, não morrerá nem ficará enfraquecido, podendo até ficar em temperatura ambiente o tempo todo. Agora, se a pessoa faz pão uma vez ou outra, o levain vai ter que ficar na geladeira durante esses intervalos, pois o frio retarda a ação das leveduras e faz com que ele dure mais.

Isso significa que na geladeira ele aguenta até uns dez dias sem comida. Mais que isso já é grande o risco do bichinho morrer, então o ideal é se organizar para usar ele toda semana. Mesmo que você não vá usar seu levain em alguma receita, é importante fazer a alimentação com frequência, para manter seu bichinho vivo. Obviamente, se não for usar vai ter que descartar uma parte, senão em pouco tempo você terá um mundo de fermento.

Para exemplificar, aqui em casa fazemos pão com o fermento natural toda semana. Então, algumas horas antes de usar o levain, tiro da geladeira e alimento o bichinho com farinha e água, na proporção 1:2:1,5:

  • uma parte de fermento
  • duas partes de farinha de trigo
  • uma parte e meia de água

Misturo tudo e deixo ele coberto com plástico filme em temperatura ambiente até ele crescer e dobrar de volume. Quando está calor, ele dobra de volume em umas quatro horas.

Quando vejo que ele já chegou ao pico de fermentação, retiro uma parte para guardar na geladeira como amostra (pode acontecer de transbordar mesmo na geladeira) e uso o restante nas receitas. Sempre sobra um pouco, então é nessa hora que separo as amostrinhas para os amigos. Vejam só que coisa maravilhosa. Além de ensinar a respeitar o tempo, a fermentação ainda nos incentiva a compartilhar o que temos com quem amamos.

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2 Resultados

  1. Marta Guedes pereira disse:

    Amei todo seu comentário sobre o levam tudo que foi comentado e muito importante obrigado
    Marta Guedes pereira

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