As surpresas de Antequera

Nosso roteiro pelo sul da Espanha, ao menos até a cidade de Ronda, saiu exatamente como o planejado. Mas, como nem tudo é assim tão certinho, nossos dias pela região próxima a Antequera acabaram tomando um caminho totalmente diferente do que tínhamos programado.

Para contextualizar: durante a preparação da viagem, descobrimos uma trilha muito famosa na região da Andaluzia conhecida como El Caminito Del Rey. Essa trilha fica em uma cidade chamada El Charco, nas imediações de Ronda, Málaga e Antequera.

Nossa intenção era gastar pelo menos um dia para fazê-la e, depois de algumas pesquisas, optamos por escolher uma acomodação que ficasse mais perto da trilha, para que pudéssemos ir de manhã, fazer a caminhada e voltar para dormir sem maiores preocupações. Com isso em mente, encontramos a Pousada Del Torcal, relativamente próxima do local da trilha. Além disso, também ficava perto da cidade de Antequera, que estava na nossa lista para uma passagem rápida.

Infelizmente (ou não), poucos dias antes da data em que estaríamos por lá, a trilha foi fechada. Até hoje não sabemos exatamente o porquê, mas o fato é que não estavam sequer vendendo ingressos. Com isso, já no decorrer da viagem, tivemos que rever um pouco nosso roteiro. Já estávamos com a hospedagem reservada e cancelar não era uma opção, então seguimos o plano e fomos para lá. No fim das contas, o fechamento da trilha foi providencial, pois nossos dias na região foram excelentes e muito bem aproveitados.

Nós chegamos à Pousada Del Torcal no fim da tarde. O dia estava bonito e a paisagem ao redor da pousada era encantadora. Montanhas e oliveiras compunham um cenário digno de um bom romance. Não fosse o vento que soprava insistentemente, nossa chegada teria sido de suspiros e calmaria. Sem exageros, estava um vento tão forte que parecia que ia levar o mundo embora.

Lendo os posts anteriores, acho que já perceberam que sou mais de aconchego que de agito. Meu tipo de lugar no mundo tem paz, jardim e montanhas. Justamente por isso, a pousada que escolhemos foi um acerto e tanto. Ela ficava longe da cidade, bem no meio dos campos de oliveiras, o que foi um fator decisivo na escolha. Que coisa mais linda são as oliveiras! Com as folhas verde-prateadas e frutos arroxeados, presentes até no pátio da pousada. Pudesse eu, plantaria um pé no meu quintal.

Assim que entramos na pousada, fomos recebidos pelos donos do local, um casal muito simpático radicado na Espanha. Antes de chegar lá já sabíamos que eles não eram espanhóis, pois o site da pousada conta um pouquinho da história dos dois. Não sei vocês, mas eu não resisto a uma boa história. No caso deles, saíram da Holanda e foram morar no interior da Andaluzia, cuidando pessoalmente de cada detalhe da pousada.

Além disso, uma das outras razões para escolher essa pousada em especial (além das oliveiras), foi a avaliação do restaurante deles. Como é uma pousada afastada da cidade, em geral os hóspedes jantam por lá mesmo. E não pensem que é um jantar qualquer. É um acontecimento!

Enquanto fazíamos o check in o dono/chef de cozinha já nos indagou se ficaríamos para o jantar, pois ele prepararia mediante reserva. Rapidamente explicou que ele, pessoalmente, ia até os mercados locais e comprava os produtos de acordo com a estação. Com isso, preparava o cardápio para a semana, sempre levando em conta eventuais restrições alimentares dos hóspedes.

A sugestão de cardápio para a noite incluía peixe, porco e uma sobremesa de chocolate. Apesar de ser um pouco mais caro do que o que estávamos pensando em gastar, decidimos que valeria à pena experimentar, principalmente porque grande parte da nossa expectativa em relação à pousada estava ligada ao restaurante.

Reserva para o jantar feita, fomos até o nosso quarto nos acomodar. Estava um pouco frio e o vento ficava cada vez mais forte. Ainda assim, o quarto se mostrou confortável e acolhedor. Logo de cara, nosso anfitrião nos mostrou que, além do ar condicionado com função de aquecimento, havia no quarto um pequeno aquecedor elétrico. Que foi bastante útil à noite. Ficamos por lá descansando um pouco e descemos para o jantar.

O restaurante possui uma decoração muito bonita, em tons escuros. A luz era baixa e a música suave. Assim que chegamos, fomos recebidos pelo anfitrião, que nos levou à mesa. Depois de receber mais informações sobre o menu e algumas sugestões de harmonização, pedimos um vinho, que estava delicioso.

O jantar era em três passos, com entrada, prato principal e sobremesa. As bebidas não estavam inclusas no preço, mas não eram caras, então ainda valia à pena. O que posso dizer é que tudo o que havia lido acerca do restaurante era verdade. Ele é uma coisa extraordinária e cada prato foi uma memorável surpresa. Só pelas refeições, eu já me hospedaria lá novamente.

No nosso jantar, tivemos pescado (peixe) como entrada, carne de cerdo (porco) ao molho de vinho tinto e uma espécie de petit gâteau recheado com geleia de morango e coberto com frutas vermelhas frescas. Os pratos estavam lindamente montados e a execução foi perfeita.

Encerramos nosso jantar e fomos descansar. Aproveitamos para preparar a programação do dia seguinte, que estava vazia em razão da trilha ter nos deixado a ver navios. Acabamos optando por conhecer a cidade de Antequera, pois algumas outras opções de passeios na região, como degustação de azeites, demandavam reserva com mais antecedência.

O dia amanheceu lindo e nem parecia que o vento do fim do mundo tinha soprado a noite toda. Estava frio, mas o céu estava limpo e o sol brilhava forte. Saímos do quarto e fomos agraciados por um café da manhã excelente. Os pratos frios estavam no balcão e os pratos quentes podiam ser pedidos diretamente ao chef.

Tomamos nosso café com calma e saímos da pousada com destino a Antequera. Na entrada da cidade havia um estacionamento para trailers e motor homes, que se mostrou uma excelente parada para fotos. É que o lugar, apesar de simples, fica no alto de uma colina, de onde é possível ver, ao longe, a imponente Alcazaba de Antequera.

Depois da pausa para as fotos, seguimos para a cidade e deixamos o carro em um estacionamento nos fundos da Alcazaba. De lá, fomos passear a pé. Começamos nosso tour pelos arredores da construção, sempre buscando os melhores ângulos para as fotos. Depois de uma pequena caminhada, chegamos até a entrada principal da Alcazaba, por onde começamos a visita.

Decidimos fazer a visita ao interior da Alcazaba, usando inclusive o áudio guia gratuito para celular, pois estávamos com bastante tempo livre. De todas as visitas do gênero, foi a que eu mais gostei, pois as explicações eram excelentes e todo o material eram muito bem-produzido. Isso sem contar a construção, que está muito bem preservada.

O passeio começa pela Porta de Los Gigantes, onde fica a bilheteria, e vai percorrendo os pátios e as ruínas da antiga fortificação. Após alguns minutos ouvindo as explicações do áudio guia, chegamos ao pátio principal, de onde tivemos acesso à Torre del Homenaje e a sua gêmea, a Torre Blanca, de onde se tem belíssimas vistas da cidade.

Demoramos mais ou menos umas duas horas na visita e encerramos o passeio na praça em frente a Real Colegiata De Santa Maria La Mayor. Não entramos na igreja porque nosso ingresso não contemplava essa entrada, mas é possível comprar os ingresso que dá acesso à Alcazaba e também à Igreja.

A visita à Alcazaba vale à pena por dois motivos: a construção em si é muito bonita e a vista de lá é realmente impressionante. É que ela fica no alto de uma colina, com visão privilegiada sobre a cidade, com as típicas casinhas brancas a perder de vista.

Além disso, lá do alto se vê várias torres de igreja, os campos e a gigante Pena de Los Enamorados, conjunto que se traduz em um cenário único. Para quem gosta do floreio romântico que as histórias têm, a Pena de Los Enamorados é um prato cheio.

Reza a lenda que há muitos, mas muitos anos, um casal de namorados, perseguido pela família (que não aceitava o romance), atirou-se abraçado do alto da montanha, preferindo a morte à separação. Essa história, aliás, é contada no áudio guia da visita.

Então, passamos em um supermercado mais afastado do centro e fomos até o centro comercial La Veronica dar umas voltinhas e comprar coisas desnecessárias (como um pijama temático de natal). Aproveitamos e compramos saladas no supermercado, que ficava dentro do Centro Comercial, e tivemos nosso almoço no carro mesmo.

Em seguida, rumamos para o Parque Natural Torcal de Antequera, que fica a uns 20 quilômetros da cidade. Apesar da distância ser pequena, não se enganem. A viagem até o parque demora um pouco, pois ele fica no topo das montanhas, sendo acessado por uma estrada estreita e cheia de curvas. Se não é pra viver com emoção a gente nem tenta!

Chegamos ao parque no fim da tarde e isso trouxe vantagens e desvantagens. O pôr do sol no parque foi um espetáculo, mas infelizmente, não conseguimos fazer as trilhas que queríamos, pois tínhamos que voltar para a pousada antes do anoitecer, senão o carro poderia se transformar em abóbora. Brincadeiras à parte, tínhamos horário marcado para o jantar. O fato é que o parque merece mais tempo.

O local, declarado patrimônio da Unesco, é enorme, com diversas trilhas entre as formações rochosas. A entrada é gratuita e há estacionamento e centro de visitantes com banheiros e lanchonete.

A paisagem que se avista no parque é realmente única. As formações rochosas peculiares, frutos de uma longa dissolução química das rochas, parecem pedras cuidadosamente empilhadas. Esse tipo de relevo é chamado de cárstico e pode ser observado também nas famosas Pancake Rocks, que visitamos na Nova Zelândia.

Fizemos apenas uma trilha curta, mas que foi suficiente para deixar claro que o lugar é realmente espetacular e vale a visita. O parque é muito grande, estava bem cheio e tem trilhas bem demarcadas. Para completar nossa passagem por lá, tivemos a companhia de simpáticas vaquinhas de montanha durante parte da caminhada (vacas com sininho e tudo!).

Encerramos nossa curta caminhada e pegamos a estrada com destino à pousada. Chegamos à noite e, mais uma vez, aproveitamos o jantar lá mesmo. Não dava pra pensar em comer em outro lugar depois da experiência excepcional da noite anterior. Mais uma vez, estava tudo maravilhoso. Tivemos escalopes de vieiras como entrada, magret de pato como prato principal e crema catalão de sobremesa.

No outro dia, nos demos ao luxo de dormir um pouco mais e saímos tarde para tomar café. Degustamos com calma todas as delícias do café da manhã, passeamos pelo jardim da pousada, fizemos check out e saímos rumo a Granada, nosso último destino na Andaluzia.

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