Pueblos Blancos – O início da jornada

Antes de começar a detalhar nossos dias inesquecíveis na região dos Pueblos Blancos, é bom deixar claro que não há uma rota oficial com esse nome. Na verdade, as cidades menores localizadas na região, inclusive ao longo da Serra da Grazalema, são chamadas de Pueblos. E, como já se presume a partir do nome, são compostos de casinhas brancas. Dito isto, cada um pode montar o roteiro que desejar, incluindo as cidadezinhas que tiver mais interesse.

Além disso, o tempo para ficar na região é bastante variável. Já vi relatos de pessoas que fizeram a rota em um dia, saindo de Jerez ou de outra cidade próxima no início da manhã e chegando até Ronda (que já não pode ser considerada um Pueblo) à noite. A distância entre as cidades não é grande, mas não se enganem, as estradas são sinuosas e estreitas.

Nós optamos por dedicar mais tempo à região, de modo que ficamos um dia em Jerez de La Frontera, uma cidade maior, antes dos Pueblos propriamente ditos. Depois, passamos dois dias somente passeando pelos Pueblos, com ponto fixo em uma pousada rural de Grazalema. As visitas às cidades de Ronda e a região de Antequera ficaram para outro momento, justamente para que não precisássemos de pressa nessa fase tão gostosa da viagem.

Assim, depois de estudar sobre as cidadelas da região, escolhemos passar por Arcos de La Frontera, Grazalema, Zahara de la Sierra, Setenil de las Bodegas e Olvera.

Jerez de La Frontera

Nossa viagem de Sevilha a Jerez de La Frontera foi bem tranquila, a estrada era ótima e bem sinalizada. Não havia nenhum ponto de interesse para nós no caminho, então seguidos direto. Chegando em Jerez, percebemos que a cidade não era tão pequena quanto imaginávamos, pois além da parte mais antiga, há muitas construções na parte “nova” da cidade, que possui um centro comercial bem diversificado.

Quando estávamos nos aproximando da cidade, resolvemos verificar se havia algum supermercado nas imediações e, para a alegria desta viajante, não havia apenas um, mas vários supermercados gigantes, todos pertinho um do outro (já falei que gosto de ir a supermercados quando viajo?). Como já estava quase na hora do almoço, aproveitamos para passear por um deles e comprar alguns lanchinhos.

Encerrado o momento “loucura do supermercado”, seguimos até a parte histórica da cidade para encontrar a pousada que havíamos reservado. A escolhida foi a Pousada Tio Pepe, que pertence ao grupo Gonzalez Byass, da famosa Bodega Tio Pepe. Aliás, uma das razões que nos fizeram incluir a cidade de Jerez no nosso roteiro foi justamente a curiosidade em conhecer a Bodega e os vinhos de xerez.

Depois de uma ou duas voltinhas pelo centro histórico, conseguimos encontrar a rua que dava acesso à pousada. Há uma plaquinha bem discreta apontando para uma rua super estreita, que mais parece ser apenas para pedestres. Chegamos até a pousada e tivemos a primeira surpresinha negativa da viagem: não havia estacionamento. Era permitido parar para fazer os procedimentos de entrada e saída, bem como descarregar a bagagem, mas não dava para deixar o carro lá.

A pousada até tinha parceria com alguns estacionamentos da cidade, que possibilitavam pagamento com desconto, mas confesso que não se mostrou uma coisa muito prática. Os estacionamentos não eram necessariamente longe, mas como a cidade é muito antiga e cheia de ruas estreitas e cruzamentos apertados, era preciso dar algumas voltas de carro até chegar lá.

Assim que encerramos os procedimentos de check in, deixamos as malas no quarto e fomos procurar o tal estacionamento, onde, em tese, deveria haver algum funcionário para validar o desconto em razão do convênio com a pousada. Achar o estacionamento até que foi fácil. Além disso, ele funcionava de modo automático, com uma câmera lendo a placa do carro e cobrando o valor por hora de uso na saída. Porém, não havia ninguém lá para validar nosso desconto. Esperamos por uns vinte minutos, mas não apareceu nenhum funcionário. Com isso, deixamos o carro por lá mesmo e voltamos para a pousada para resolver isso depois.

Aproveitamos esse caminho para nos ambientar um pouco à cidade, cruzando uma simpática área de restaurantes e uma praça, cheia de pés de laranja, para variar um pouco.

Por entre os prédios históricos do centro, vimos uma bonita torre de igreja e, curiosos, fomos até lá também para conhecer. Era a Iglesia de San Miguel, que tem uma linda fachada e fica numa simpática e apertada pracinha.

No centro da cidade fica um dos principais pontos turísticos do local, o Alcazar de Jerez, construído ainda durante a dominação do mouros e tomado pelos cristãos durante a reconquista. É uma construção bem grande e imponente, destacando-se no meio de uma praça arborizada.

Naquele dia, o monumento havia fechado mais cedo, então só conseguimos conhecer a parte externa e ver um pouquinho de seu bonito pátio por entre as grades.

Passamos novamente pelo estacionamento e, dessa vez, o funcionário estava lá para validar nosso desconto. Resolvido esse problema, em poucos minutos já estávamos de volta à pousada, pois à pé a distância até o estacionamento e o centro é bem pequena.

Falando da pousada, preciso ser muito sincera ao dizer que, apesar da questão da falta de estacionamento ser um ponto muito negativo, outras coisas acabam compensado um pouco. A pousada é muito bonita e limpa. O quarto que ficamos era extremamente confortável e a área comum é muito aconchegante. Destaque para o incrível terraço, de onde se tem uma lindíssima vista da Catedral e da cidade.

Por falar em Catedral, a pousada é ao lado da construção, então a localização para quem quer curtir essa parte histórica não poderia ser melhor. Além disso, ela fica anexada à Bodega Tio Pepe, de modo que, para quem vai fazer a visita com degustação, também é uma excelente opção.

Deixo como ressalva, apenas, que pareceu não haver muita integração real entre a pousada e a Bodega, pois não havia nenhum tipo de diferencial para os hóspedes, seja quanto a desconto no valor da degustação, seja para aquisição dos ingressos diretamente na pousada. No fim das contas, acabou não fazendo diferença se hospedar na pousada do mesmo grupo.

De todo modo, como o principal motivo da nossa passagem por Jerez era justamente a visita a Bodega, seguimos para lá por volta das 17h. Não havíamos reservado antes, mas havia poucas pessoas interessadas no passeio com degustação, de modo que não houve qualquer dificuldade na aquisição dos ingressos, diretamente na entrada da Bodega. Recomendo, no entanto, que caso queira fazer esse passeio faça as reservas antes no site.

Os ingressos não foram baratos, ainda mais porque escolhemos a opção de degustação harmonizada com algumas tapas. Com os ingressos em mãos, fomos até uma sala bem grande, onde nos juntamos a um grupo de turistas que também iria participar. Depois de alguns minutos o nosso guia chegou e a visita teve início.

O processo de fabricação do Jerez, um vinho fortificado e mais licoroso, difere bastante do que se verifica com outros vinhos. A primeira coisa a ser considerada é que durante o período de amadurecimento da bebida em barris, forma-se uma camada de levedura denominada ‘fermento flor’ (como um sal), que protege o vinho do oxigênio. Além disso, ele envelhece no sistema de soleira e, em certa fase do processo, ganha um plus com alguma bebida destilada (em geral um brandy de uvas com baixo teor alcoólico), daí o adjetivo fortificado.

Encerrado o tour pela bodega, fomos conduzidos até o local para degustação. É uma espécie de bar, com várias mesas dispostas. O local é bonito e segue aquele padrão de degustação, com duas taças com as principais produções da bodega.

Infelizmente, apesar de termos comprado o ingresso que combinava a degustação da bebida com as tapas, a equipe da bodega se enrolou completamente em relação a isso. Em resumo, depois de conversar com o garçom ficou claro que eles haviam esquecido de organizar a degustação de acordo com o ingresso vendido. De toda forma, ele voltou logo depois, todo atrapalhado, com alguns petiscos bem sem vergonha.

Bom, não dá para negar que a experiência de visitar a bodega é interessante, ainda mais diante das peculiaridades da fabricação do jerez. O local também é bem bonito, com pequenas “ruas” cobertas por parreiras de uva. No entanto, sinceramente, não acho que a visita valha à pena. Perto de outras que já fizemos, ficou bem sem graça, apesar da simpatia do guia. Outra coisa: não gostei do vinho. Não sei se é o próprio conceito de vinho fortificado que não me apetece, mas é bem provável que isso também tenha influenciado na minha impressão final.

Assim que a visita terminou, voltamos para a pousada, descansamos um pouquinho e saímos para dar uma volta pela cidade. Era noite, estava frio e a cidade praticamente deserta. Por onde passávamos víamos que havia uma quantidade grande de restaurantes e estabelecimentos comerciais, mas turistas mesmo, nada. A verdade é que a região turística da cidade me pareceu bem decadente. Jantamos em um dos poucos restaurantes abertos, mas estava péssimo. Foi o único restaurante da viagem que achei, de fato, ruim, então nem vale a pena falar dele.

Encerrado o jantar, voltamos à pousada e fomos dormir. Ao menos a noite de descanso foi boa e o café da manhã do dia seguinte compensou a experiência fracassada do jantar (não só de glórias vive um viajante). O restaurante da pousada é uma graça e fomos muito bem atendidos. O café foi servido na mesa e contava com bebida quente e fria. Além disso, havia opção de escolher frutas, pães, omelete e bolos. Tudo o que pedimos estava delicioso.

Depois do café, fomos até o estacionamento e pegamos o carro. Voltamos para a pousada, ajeitamos as malas no carro e fizemos check out. Dissemos adeus a Jerez e seguimos em frente, com destino à parte mais aguardada da viagem. Um misto de ansiedade e empolgação guiava meus pensamentos e eu mal via a hora de chegar ao primeiro dos Pueblos.

Como dá para notar, nossa experiência em Jerez não foi das melhores, mas isso faz parte da viagem. Jamais saberíamos se não tivéssemos ido. Pode ser que outra pessoa, em outra época, tenha uma experiência totalmente diferente, então não vejam esse relato sincerão como uma sentença de morte contra a cidade.

O primeiro dos Pueblos – Arcos de La Frontera

Nossa próxima parada era a cidade de Arcos de La Frontera, a porta de entrada para os Pueblos. A viagem até a cidade foi bem agradável e, assim que fomos nos aproximando, já deu para entender porque essa rota é queridinha da Espanha. Arcos surgiu exuberante sobre a montanha, com as casas branquinhas, coloridas apenas pela luz do sol.

Deixamos o carro estacionado próximo a uma pracinha na parte baixa da cidade e atravessando a Puerta de Matrera, subimos as ladeiras até a parte antiga do Pueblo, tendo como companhia o muro que separa a cidade do penhasco. Ao fundo e ao longe, montanhas, rios e um céu azul magnifico.

Fomos seguindo pela Calle Matrera até alcançar a região central da parte histórica. Nossa primeira parada foi a Iglesia de San Pedro. Dando a volta na igreja chegamos até o Mirador de Abade, um local muito fotogênico com uma vista privilegiada das redondezas e um simpático arco na entrada.

Nosso destino principal na cidade foi a Plaza Del Cabildo, que tem outro mirador com uma vista maravilhosa da região. A praça agrega a Prefeitura, a Basílica de Santa Maria e o Castelo de Arcos (que é privado, sem visitação). Claro que as construções seguem aquele encantador padrão Andaluz: riqueza de detalhes e junção de culturas.

Depois da Plaza Del Cabildo, fomos nos aventurando pelas ruas da cidadela e paramos para comer em um restaurante muito bom, o El Retablo. Pedimos algumas tapas e todas estavam muito boas. Com certeza é um local que merece uma visita e até uma refeição com mais tempo.

Não encontramos este restaurante por acaso. No dia anterior à nossa visita à cidade, havíamos assistido um ótimo vídeo encontrado por acaso no Youtube em que o restaurante foi bem recomendado. Recomendado também é o vídeo caso queira conhecer um pouquinho da cidade.

Passamos pelos fundos da Basílica e fomos descendo a ladeira. Já de volta à parte baixa da cidade, paramos no Mirador Cardenal Spínola, escondido em uma ruazinha por trás da rua principal, para fazer algumas boas fotos.

Os encantos da serra e uma pousada que já vale a viagem

Infelizmente nosso tempo estava curto, pois tínhamos um longo caminho pela frente, já que nossa intenção era chegar de dia à pousada Tambor del Llamo, reservada pelo Booking. No caminho (e que caminho!) para a pousada, demos uma paradinha em El Bosque, cidade porta de entrada para a Serra da Grazalema.

Passamos também pela simpática cidade de Grazalema, mas só demos aquela espiada básica do alto do mirante. Mesmo com a intenção de chegar cedo à pousada, foi inevitável parar para apreciar a paisagem e tirar algumas fotos.

Chegamos à pousada bem no finalzinho da tarde e já havíamos reservado previamente um jantar no restaurante deles, então nossa ideia era ficar por lá descansando e curtindo o lugar. Sem sombra de dúvidas só esta pousada já renderia um post específico, de tão espetacular. Confesso que, até chegar lá, fiquei com medo da pousada ser uma roubada, principalmente por ser afastada da cidade. Mas foi uma das melhores coisas da nossa viagem.

A pousada fica em uma fazenda (que eles chamam de finca) linda, tem uma pegada sustentável muito bacana e tanto a área comum quanto os quartos são excelentes. Logo na entrada vimos várias árvores com o tronco avermelhado, como se tivessem arrancado suas cascas. Depois, descobrimos tratar-se de sobreiros, árvore da qual se extrai a cortiça. As árvores se espalhavam por toda a fazenda e, além de conferir um charme ao local, serviam de sombra para simpáticas ovelhas que pastavam por ali.

Mesmo com o frio que estava fazendo, o jardim é um ponto alto do lugar, com mesas e cadeiras espalhadas pelos gramados, que convidam para uma pausa dessas bem demoradas. Tudo é tão intimista que até esquecemos que estamos em uma pousada. De fato, a sensação era de estar em uma casa na fazenda, sem formalidades desnecessárias, onde cada momento importa.

Há algum tempo venho pensando que existem experiências que merecem ser vividas e momentos que devem ser degustados cuidadosamente. Nossa experiência na pousada, já tão encantadora, foi elevada a outro nível pelo jantar irretocável. A refeição foi servida na linda sala de estar, em mesas perfeitamente preparadas. A luz era agradável e o crepitar da lenha na lareira dava o tom do momento. A refeição estava maravilhosa, assim como o vinho que tomamos.

Nossos planos para o fim da noite envolviam sair caminhando pela área da pousada para fotografar estrelas, mas o tempo fechou rapidamente e nossos planos foram, literalmente, por água abaixo. Não há como ter tudo, mas se querem um spoiler, dias estrelados virão.

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