Pueblos Blancos: Zahara, Setenil e Olvera

A chuva que atrapalhou nossos planos estrelados na noite anterior, persistiu madrugada adentro. O dia seguinte amanheceu bem cinza, mas nem isso tirou a simpatia da nossa estada. Na verdade, a chuva foi até providencial para que pudéssemos desacelerar um pouco e organizar melhor nossa visita aos próximos pueblos.

Acordamos tarde, com aquela preguicinha do bem e descemos para tomar café. Estava tudo uma delícia, principalmente o pão com tomate e azeite (um dos meus amores da viagem).

Encerrada a refeição, ficamos fazendo hora até o tempo firmar um pouco mais. Havia muitos planos para o dia, mas já estávamos cientes de que talvez tivéssemos que mudar um pouquinho a ordem das coisas. Foi o que fizemos.

Por volta das onze da manhã a chuva deu uma trégua e um sol bem tímido deu o ar da graça. Não pensamos duas vezes e saímos com destino ao primeiro dos pueblos do dia: a cidade de Zahara de la Sierra.

Zahara de La Sierra

Não demorou mais que uma hora e já estávamos nos aproximando dela. A cidade é bem pequena e muito bonita. Mesmo antes de chegar, ela já causa impacto, pois bem em cima do morro, quase que encrustado nas pedras, há uma fotogênica torre. Abaixo dela, árvores e pedras contrastam com as casas brancas. que praticamente fazem o contorno do morro.

Como as ruas dos pueblos são sempre apertadas e sinuosas, optamos por deixar o carro em um estacionamento e seguimos à pé. Transitar pelos pueblos de carro é uma grande armadilha. Não apenas porque dirigir – e estacionar – dentro deles é complicado, mas porque a gente acaba não dando atenção aos detalhes, que são o que realmente fazem a diferença.

Sou da turma que adora se perder por centrinhos históricos, olhando casas, portas e flores. Enquanto caminhávamos, íamos imaginando o dia a dia das pessoas e as histórias por trás daquilo que está a nossa volta. Bem por isso, Zahara foi uma experiência incrível.

Ficamos na cidade por umas duas horas apenas, mas foi um período muito bem aproveitado. Fomos subindo a ladeira à pé até chegar ao centro histórico da cidade, onde passamos pelas Igrejas e a Torre Del Reloj.

O tempo não chegou a abrir totalmente, mas a chuva sossegou, então deu pra andar bem tranquilamente. Estávamos tão animados que subimos até o topo da cidade, alcançando a Torre del Homenaje. Não é uma caminhada difícil, mas cansa um pouquinho. Ainda assim, vale muito a pena, pois a vista lá do alto é muito bonita, em especial pelo reservatório Zahara-el Gastor.

De volta a Grazalema

Encerrada nossas andanças por Zahara, demos um tempo nos pueblos e seguimos para o Mirador Puerto de Las Palomas. Dizem que a vista de lá é linda, mas o tempo estava tão fechado que mal conseguíamos ver um ao outro. A estrada é muito sinuosa e o Mirador fica na parte mais alta da Serra da Grazalema, a 1.357 metros de altitude, então estava um frio memorável. Ainda assim, a aventura foi muito divertida.

Depois de uns poucos minutinhos no mirador, tomamos o caminho de volta e fomos para Grazalema. Chegamos na cidade e deixamos o carro em um estacionamento bem no centrinho. Chegar com ele até lá não foi nada fácil, mas não encontramos nenhum estacionamento fora da cidade, então não tivemos muita escolha. Passeamos um pouco por lá e paramos para almoçar em uma padaria muito simpática chamada Rumores, frequentada predominantemente por moradores da cidade.

Depois do almoço, voltamos para a pousada, onde fizemos uma trilha pela finca. Toda a área da pousada é linda, mas como tinha chovido, estava bem escorregadio e com bastante lama. Ainda assim o passeio foi muito bom. Destaque para o por do sol multicolorido.

À noite, tivemos outro jantar muito agradável e, após a refeição, fomos tirar foto das estrelas. No dia em que chegamos à pousada, a atendente nos informou que o lugar era um dos mais propícios para observação de estrelas na região. Até há um local específico para isso no terreno da pousada, sem obstáculos que atrapalhem a visão. Obviamente, nossa intenção era ir até este lugar, mas a coisa não saiu exatamente como o planejado.

Vejam só, para observar estrelas é preciso que haja pouca luz em volta. Justamente por isso, o ponto de observação ficava um pouco afastado da pousada, sendo acessado através de uma trilha. Até aí tudo bem, estávamos preparados com nossas botas, casacos e lanternas. Eu não contava é que, no meio da trilha, encontraríamos cavalos gigantescos. Sim: cavalos andaluzes enormes, camuflados na escuridão, só esperando turistas desavisados.

Distraída que sou, praticamente atropelei o pobre cavalo. De tanto susto, juro que senti minha alma sair e voltar para o corpo. Parcialmente recomposta do apavoramento, saí andando para trás em câmera lenta. Me virei, fiquei de costas para o aterrorizante animal e apressei o passo até chegar ao portão que me salvaria. Mais que depressa, atravessei e fechei o portão. Estávamos seguros. Eu ainda pálida de susto. Fellipe rindo da situação e fazendo amizade com o cavalo. É provável que não tenha sido assim tão dramático, mas que graça teria se não fosse?

O fato é que os cavalos não saíram da trilha, de modo que acabamos procurando outro local para nossa aventura fotográfica. Encontramos um local bacana, com boa visão do céu. Ficamos algum tempo por lá e tiramos fotos à vontade. Coisa mais linda desse mundo é o céu. Me encantam as estrelas, desde sempre.

As Ruínas de Acinipo

No outro dia, acordamos cedo, tomamos café e tivemos que nos despedir da pousada. Havia a vontade de continuar os passeios e ao mesmo tempo o desejo de ficar mais alguns dias ali. Infelizmente não dá para ter tudo, então seguimos viagem, pois novos pueblos nos esperavam.

Nossa primeira parada no caminho foram as ruínas de Acinipo. Ainda durante o planejamento da viagem, quando pesquisávamos a respeito de locais para visitar na região da Andaluzia, nos deparamos com um ponto marcado no Google Maps que chamou nossa atenção. No meio do caminho entre os Pueblos Blancos e a cidade de Ronda, uma indicação de ruínas da época do Império Romano.

Era uma oportunidade completamente nova de conhecer um ponto de interesse arqueológico. Pesquisando mais um pouco, descobrimos que o acesso era bem simples, por uma estrada asfaltada, e não havia cobrança de ingressos. Decidimos, então, aproveitar nossa passagem para conhecer o antigo anfiteatro romano de mais de dois mil anos que existe ali.

As ruínas são realmente bem antigas, pouca coisa ainda está de pé, mas o pouco que restou impressiona muito. Segundo as informações de um panfleto distribuído na entrada, o local era a antiga sede da cidade de Ronda. Por isso, muitos se referem a ele como Ronda La Vieja. São diversos locais de escavação que mostram os vários prédios que compunham a cidadela. Mas, sem dúvida, o que rouba todas as atenções é o paredão do imponente anfiteatro.

Embora tenha resistido por mais de dois mil anos, o anfiteatro tem sido alvo de algumas reformas para sua conservação. Por isso, quando fomos, não pudemos nos aproximar muito da construção. No entanto, apenas a visão à distância das arquibancadas e do “palco” é suficiente para imaginar muito do que ocorria ali. Além disso, como as ruínas ficam no alto de um monte, a vista é impressionante.

Setenil de Las Bodegas

Saindo de Acinipo, continuamos nosso caminho até Setenil de Las Bodegas, um dos pueblos mais famosos da região. Não é à toa. A cidade está encarapitada nas rochas, que em alguns pontos parecem se derramar sobre as construções.

Em Setenil, deixamos o carro em um estacionamento, fora da parte turística, para evitar dirigir nas estreitas e sinuosas ruas da cidade, e exploramos o pueblo à pé. Começamos pelo Mirador Del Carmen, que fica em uma pequena praça onde está localizada a Ermita de Nuestra Sra. Del Carmen.

O mirador fica em um ponto muito estratégico, de onde se tem uma linda vista dos arredores. Destaque especial para a Iglesia Nuestra Señora Encarnacion, que se ergue majestosa com tons marrons em meio às casinhas brancas.

Do mirador, descemos através de escadas e nos dirigimos até a Calle Cuevas del Sol, um dos pontos mais fotografados da cidade. É justamente nesta rua que as construções se mesclam com as rochas, criando um cenário impressionante.

Andamos um pouco pela rua e seguimos para a vizinha Calle Cuevas de La Sombra, que é totalmente coberta pelas pedras e até um pouco enigmática. Compramos um sanduíche de jamón, que estava delicioso, e fomos comendo pela rua mesmo, enquanto subíamos as ladeiras com destino ao Castillo de Setenil.

Depois de algum tempo de caminhada, chegamos a uma simpática praça, a Plaza de Andalucia, onde ficamos por algum tempo observando o movimento de moradores se aventurando com os carros nas ruelas minúsculas.

Subimos mais um pouco e, enfim, chegamos até a Iglesia Encarnacion. Não entramos, pois dela, o mais interessante, é a vista de longe e isso já havíamos conseguido quando passamos pelo Mirador Del Carmen.

Depois de explorar o topo da cidade, descemos, encerrando nosso passeio na Calle Cuevas del Sol. Clara, alegre e divertida, ela tem vários restaurantes simpáticos e estava bem movimentada. Optamos por dar uma paradinha no El Frasquito, que era muito bem avaliado no Tripadvisor. Fizemos um lanchinho rápido (comemos croquetas, para variar um pouco) e seguimos viagem.

Olvera

Nosso próximo destino era a cidade de Olvera. Em pouco tempo estávamos lá e, mais uma vez, deixamos o carro em um estacionamento um pouco afastado do centro histórico. Saímos, então, para passear sem compromisso pelo último dos pueblos da nossa viagem.

Não sei bem como explicar o quão peculiar é Olvera, mas a decoração de natal era de crochê e isso já diz muito sobre criatividade. As árvores tinham capinhas de crochê, as bandeirinhas pelas ruas e até a arvore de natal era tecida dessa forma. Só pela originalidade a cidade já me ganhou.

A cidade é bem pequena, acho que a menor entre as que visitamos, mas é absolutamente graciosa. As ruas, praças, igrejas, tudo é muito simpático. Com certeza é um pueblo que deve ser visitado. Parafraseando o escritor Romero Muruba: Olvera es “una calle, una iglesia y un castillo… ¡Pero qué calle, qué iglesia y qué castillo!”

Confesso que essas palavras de Romero, tão simples mas tão complexas (e completas) ecoaram em minha mente por muitos momentos da viagem. Não é necessariamente sobre o que são as coisas, mas sobre como são. Da mesma forma, viajar não é simplesmente sobre ver as coisas, mas sentir, com intensidade, tudo a nossa volta.

Saímos de Olvera no meio da tarde e seguimos para a cidade de Ronda, que estava na minha lista desde os primeiros passos do planejamento. No próximo post eu tenho certeza que vocês vão entender o porquê.

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