Atacama: De carro pelo deserto
Existem alguns lugares que estão desde sempre na minha lista de desejos.À primeira vista pode parecer que não há uma ligação entre eles, que são apenas lugares aleatórios espalhados pelo mundo. Mas para mim representam forças da natureza, coisas meio inexplicáveis, enfim, lugares únicos.
Ao mesmo tempo, são desafiadores e encantadores. E, em geral, é difícil explicar ou descrever. Nessa lista entram os já visitados Denali, no Alasca, o Kruger, na África do Sul, o Parque Terra do Fogo, na Patagônia, e o Tongariro, na Nova Zelândia.
Também entram os não visitados Torres del Paine, no Chile, Lençois Maranhenses, no meu Brasil, Deserto de Deadvlei, na Namíbia e a Cratera de Ngorongoro, na Tanzânia.
Não poderia ter alegria maior do que dizer que o deserto do Atacama passou a integrar a primeira lista. Depois de muita espera e expectativa, enfim visitamos o deserto mais seco do mundo. Nesta série de posts a gente conta tudo para vocês.
O planejamento
Como eu sempre digo por aqui, a viagem começa muito antes do dia da partida (ou chegada). Ela começa, de fato, quando deixa de ser um desejo abstrato e toma formas mais claras, como um rascunho que se torna poema, um rabisco que se torna um desenho.
Entre decidir se aventurar e embarcar existe um trabalhoso e maravilhoso caminho.
Decidimos, finalmente, colocar o Atacama na lista de viagens de 2024 ainda em 2023. No fim do ano, compramos as passagens e começamos a traçar nossos planos.
Compramos as passagens saindo de São Paulo. Na ida, compramos dois trechos separados, com uma parada de cinco dias em Santiago. De Santiago, pegamos outro voo para o deserto. Para o retorno, compramos os trechos juntos, apenas com uma pequena conexão em Santiago.
Escolhemos ir em abril por três razões: Porque é uma época boa para visitar o deserto, já que o tempo está mais amigável, não é o ápice da temporada e é o mês do meu aniversário, de modo que em geral me presenteio (ou sou presenteada) com experiências incríveis nesta época.
Antes de fechar a programação, lemos muito sobre todos os passeios, sobre o que esperar e avaliamos diversas possibilidades, desde ficar em um hotel all inclusive até contratar passeios guiados.
Em geral, as pessoas ficam de quatro a cinco dias no Atacama. Mas cientes de tudo o que poderíamos fazer, optamos por ficar seis dias inteiros, sem contar os dois dias de deslocamento. Não é a viagem mais fácil do mundo, então entendemos que seria mais interessante ficar alguns dias a mais.
Além disso, acabamos fazendo uma escolha menos óbvia e decidimos alugar um carro. A opção não é assim tão comum, mas para o nosso perfil de viagem, caiu como uma luva.
Com a facilidade proporcionada pelo aluguel do carro, expandimos nossas opções de hospedagem e acabamos reservando um lodge um pouco afastado da cidade.
Além disso, resolvemos que iríamos tentar fazer os passeios por conta própria, sem agência e sem guia.
Não encontramos muito material na internet sobre isso. A maior parte dos turistas que visita o Atacama opta por fazer os passeios com agências. Aliás, em alguns lugares, havia certo desencorajamento sobre a viabilidade em fazer os passeios por conta.
Não nos convenceram! Pesquisamos bastante, assistimos uns vídeos mais recentes de pessoas que haviam seguido essa linha e estudamos os detalhes dos passeios que nos interessavam. Depois de uma análise cuidadosa, concluímos que tínhamos condição de fazer por conta própria.
Mas, antes de falar do roteiro que traçamos, seguem algumas informações importantes para quem deseja visitar o Atacama.
A primeira coisa é saber que o deserto é seco ao extremo, tem uma amplitude térmica bem grande (quente durante o dia e frio à noite) e, como se não bastasse, fica a uma altitude considerável. Só por essas características já dá pra notar que não é desses locais amistosos. Sendo assim, o mais recomendado é ir no outono ou na primavera (março a maio e setembro a outubro).
A cidade de San Pedro do Atacama costuma ser a base para os turistas. Nas imediações dela que estão os passeios mais emblemáticos. Mas aqui um detalhe: Não há voos para lá. O aeroporto mais próximo fica na cidade de Calama, a uns 100 km de distância, de modo que em geral você desembarca em Calama e segue para San Pedro de ônibus, transfer ou de carro.
Terceiro ponto relevante: Como a cidade de San Pedro está um pouco mais alta do que estamos acostumados, uns 2500 metros de altitude, e muitos passeios te levam a locais ainda mais altos (alguns beiram 5000 metros) é bom escolher os passeios com cuidado, optando por fazer os mais fáceis nos primeiros dias. Isso é importante para que dê tempo do corpo se acostumar com a altitude.
A cidade de San Pedro é bem pequena, mas tem bastante opção de hotéis e restaurantes. Isso sem contar as inúmeras feirinhas e agências de turismo. A rua principal da cidade, chamada Caracoles, é bem pitoresca e fica bem cheia nos fins de tarde, que é quando a galera volta dos passeios. Nela, assim como em toda a parte central de San Pedro, não é permitido trafegar com veículos. Estacionar então, nem pensar.
Na entrada da cidade há alguns espaços meio improvisados para estacionamento, mas pelo que notamos estão construindo um local mais apropriado. De todo modo, não é difícil arrumar um cantinho para deixar o carro.
Em geral, os restaurantes em San Pedro de Atacama aceitam o pagamento por cartão de crédito, mas há caixas eletrônicos e casas de câmbio na cidade, caso você queira fazer saques ou câmbio. Em alguns lugares, para pagamento na função crédito com cartões Mastercard, há cobrança de uma taxa adicional diretamente na maquininha. Também observamos isso em Santiago.
Ainda quanto ao câmbio, durante a viagem alternamos entre o uso de nosso cartão da Nomad e do cartão de crédito do Sicoob, que utiliza câmbio com base no Dólar comercial.
Fizemos um saque equivalente a uns R$1.000,00 ainda em Santiago e foi bem mais que o suficiente para cobrir as poucas despesas que precisaram ser pagas em dinheiro, como compras nas feirinhas, lanchinhos e entradas de pontos turísticos. Acabamos pagando também alguns restaurantes em dinheiro para não voltar pra casa com Pesos.
Como a cidade conta com muitas agências de turismo, reservar os passeios com antecedência não é uma necessidade, a não ser que você queira escolher uma agência específica. Existem algumas agências muito bem avaliadas, como a Araya e a Flaviabia, ambas com sócios brasileiros. Não chegamos a fazer os passeios com eles, mas mantivemos contato antes da viagem e foram muito solícitos.
Nós não reservamos nada com antecedência, principalmente porque a intenção era fazer os passeios de carro. O único passeio que fizemos com uma agência foi o tour astronômico, porque nele há uma estrutura de telescópio e etc. Mesmo assim, reservamos quando já estávamos lá em San Pedro. Querem uma razão para incluir o passeio no roteiro? Está aí uma imagem que pode te convencer.
Por último, uma importante observação: É tudo caro. Pensei em uma forma mais sutil de dizer isso, mas não tem muito o que inventar. Para os meros mortais, é mesmo um destino que tem um custo elevado.
Lógico que isso é perfeitamente compreensível em se tratando de um deserto, longe de tudo, com todas as dificuldades relacionadas a escassez de água e alimentos. Mas ainda assim, isso é um fator a se considerar, principalmente para quem faz questão de ter um certo conforto durante as viagens.
Ah, cachorros. San Pedro deve ter a maior população de cachorros criados na rua da qual se tem notícias. Tenho quase certeza de que deve haver algum estudo científico que embase essa minha constatação empírica. Sei que a cidade enfrenta alguns problemas em razão disso, inclusive já foram relatados alguns incidentes envolvendo os doguinhos. Mas que são simpáticos, isso são.
Levando em conta as informações que já tínhamos sobre o Atacama e tudo o que fomos aprendendo nos meses que antecederam a viagem, chegamos ao dilema de sempre: Como fazer a grandiosidade do deserto caber em poucos dias de férias. Fácil não foi, mas tentamos encaixar os passeios principais no nosso roteiro sem transformar a viagem em uma corrida. Acredito que conseguimos.
O primeiro dia na cidade seria destinado a andar pela cidade durante a manhã e fazer o passeio pelo Valle de La Luna e Valle de Marte à tarde, assistindo o pôr do sol da Pedra do Coyote. O segundo dia incluía visitar a Laguna Cejar, Laguna Piedras, Ojos del Salar, Laguna Tebinquiche e Lagunas Escondidas de Baltinache. O terceiro dia seria destinado a conhecer a Laguna Chaxa e ir até o Mirante do Vulcão Licancabur.
Já aclimatados, nos dias seguintes nossos planos incluíam passeios em altitude mais elevada: No quarto dia iríamos para as Lagunas Altiplânicas e Piedras Rojas e, à noite, faríamos o tour astronômico.
No quinto dia iríamos conhecer o Geiser Del Tatio e as termas de Puritama e, finalmente, no sexto dia, faríamos a Rota dos Salares.
Posso dizer que quase tudo saiu como o planejado. Tivemos que fazer alguns ajustes depois de chegar lá, reduzimos o número de passeios e ajustamos alguns horários. De fato, eu subestimei o sol do deserto. Não se iludam quando virem a temperatura marcando 25 graus. Parece que há um sol apenas para você, de modo que é melhor fazer os passeios de caminhada pela manhã. À tarde, o calor só diminuiu quando o sol está se pondo.
Apesar de algumas mudanças pontuais na programação, a viagem fluiu de maneira absolutamente tranquila. E posso dizer, sem dúvida alguma, que alugar o carro foi a decisão mais acertada que poderíamos ter tomado. Conhecer o Atacama de carro encurtou distâncias e tornou possível, em um mesmo dia, desbravar as areias sem fim e subir até o alto dos Andes.
A flexibilidade de fazer os passeios a qualquer hora, mudar os planos, ir com calma, parar e absorver tudo foi espetacular. Não tivemos nenhum contratempo e, com certeza absoluta, conseguimos aproveitar muito melhor tudo que o Atacama poderia oferecer. Isso sem contar que fazer os passeios por conta própria sai bem mais barato, mesmo considerando o valor de aluguel de carro e combustível.
Chegada e primeiras impressões
Saímos de Santiago por volta do meio-dia e chegamos ao aeroporto de Calama lá pelas três da tarde. Dizem que a vista do deserto durante o pouso é linda, mas a Latam me presenteou com um assento na última fileira e, ainda por cima, sem janela. Então, sem fotos de vista na chegada. Apesar disso, o voo foi tranquilo e a chegada não poderia ter sido melhor.
Desembarcamos, pegamos as malas e fomos até o saguão do aeroporto para pegar o carro que havíamos reservado. Chegando ao guichê da Europcar e não havia nenhum atendente. Já havíamos lido sobre isso antes, então entramos em contato através de um número de WhatsApp que estava fixado no vidro. A pessoa respondeu dizendo que em 20 minutos estaria chegando.
Acabou demorando um pouco mais e só conseguimos pegar o carro por volta das 16:30, principalmente porque haviam outras pessoas na nossa frente, também esperando o atendente.
Saímos do aeroporto e fomos até o Mall Plaza Calama, um Shopping onde há um supermercado bem grande, do grupo do Walmart. Lá, compramos frutas, água, biscoitos e lanchinhos. Devidamente abastecidos, seguimos em direção a San Pedro, pois estávamos preocupados com a estrada à noite.
Assim que saímos da cidade, tivemos aquele primeiro impacto. O deserto é real, não parece ter fim e é, ao mesmo tempo, angustiante e explêndido. Por muitos quilômetros não víamos nada além de areia e alguns guanacos.
Conforme a hora foi passando, o sol começou a se pôr atrás de nós e, à frente, a lua cheia começou a nascer. Por uns bons minutos as luzes do sol e da lua se misturavam e eu pude ver, pela primeira vez, o quão mágico é o pôr do sol no deserto.
Chegamos em San Pedro por volta das 19 horas. Já estava escuro e não conseguimos apreciar os vales que ficam na entrada da cidade. Passamos rapidamente pelas imediações do Centro e estava extremamente movimentado. Não me lembro de ter visto antes na vida tanta poeira, pedestres, veículos e cachorros juntos. Uma confusão generalizada.
Confesso que nessa hora bateu um medinho. Será que fizemos uma boa escolha? Só o tempo iria dizer, então seguimos para o Lodge Quelana, nosso escolhido para os próximos dias.
O lodge fica em um local meio rural, bem escondido. Mas ao chegar lá, veio a certeza de uma escolha acertada. O local é lindo. Nosso chalé era muito confortável, espaçoso, com uma decoração muito bonita. A cama era excelente e o chuveiro maravilhoso. Depois de um dia de viagem, não poderia querer mais. Como havíamos comprado lanchinhos no supermercado, nem saímos para jantar.
Aproveitamos o conforto do lodge para desfazer as malas e preparar o roteiro do dia seguinte de forma mais detalhada. Em tese, faríamos caminhadas pela cidade, pelo Valle de la Luna, Valle de Marte e ainda assistiríamos ao pôr do sol na Pedra do Coyote. De cara já fizemos ajustes na programação. Uma caminhadinha de nada com as malas foi suficiente para nos lembrar do quanto o ar seco e a altitude são extenuantes.Ajustes feitos, roteiro definido, fomos descansar à espera do início das aventuras do dia seguinte.
Este post termina aqui, mas deixo uma amostra do que vem pela frente. O Atacama é, sem dúvida, um mundo de supresas.
Olá Queridos! Que show, parabéns pela coragem.
Vamos em Janeiro/25 e tbm gostaríamos de fazer alguns passeios por ponta, mas estaremos de moto. Alguma indicação do que não fazer sozinho, estando de moto?
Muito obrigada e mais uma vez parabéns.
Oi, Obrigada pelo comentário. Olha, sendo bem sincera, só não recomendo fazer os passeio a El Tatio, porque no escuro, em estrada de chão e com muito fluxo de carros e vans de turismo pode ser um pouco perigoso. Os demais passeios, acho que seria bem tranquilo fazer de moto. Em geral, as estradas estão em boas condições. Espero que tenham uma excelente viagem.