Cambará do Sul

Nossa viagem para o Rio Grande do Sul tinha destino certo: os Canyons de Cambará. Desde que vimos algumas notícias sobre o lugar ficamos na agonia para conhecer. A pandemia veio e os planos foram suspensos, mas eis que o tão esperado momento chegou.

A época não foi escolhida ao acaso. Optamos por ir em setembro. Não é o período mais adequado para turismo na região em razão das chuvas, mas marcava exatamente uma década da nossa primeira viagem ao Rio Grande e achamos que uma boa forma de rememorar era repetir parte da viagem.

Bem por isso, além de conhecer Cambará, uma esticadinha para a Serra Gaúcha também estava nos planos. Pesquisa daqui, pesquisa dali, traçamos um roteiro com a nossa cara. Alguns dias em Cambará do Sul e alguns dias em Bento Gonçalves, já na Serra Gaúcha, onde ficariamos imersos no Vale dos Vinhedos e adjacências.

Cambará do Sul é um município bem pequeno, com pouco mais de seis mil habitantes, a maior parte residente na área rural. O principal atrativo da região é a vasta riqueza natural, já que o município está localizado na área denominada Campos de Cima da Serra. Além de Cambará, fazem parte dessa região os municípios de São Francisco de Paula, Jaquirana, São José dos Ausentes, Vacaria, entre outros, todos com altitudes que variam de 900 a 1200 metros de altitude.

Em Cambará é que estão localizadas as sedes de dois importantes parques nacionais, o Aparados da Serra e o Parque da Serra Geral, com diversos cânions e quedas d’água, tudo isso se misturando às imponentes florestas de araucárias e típicas pradarias. 

É importante mencionar que os cânions são a principal atração de Cambará, mas a região não se limita a isso. Como vocês vão ver no decorrer do post, as cachoeiras e a culinária do lugar são um espetáculo à parte.

Há quem combine a visita a Cambará com uma ida até Praia Grande, já em Santa Catarina, uma vez que as duas cidades estão bem próximas. Na prática, Cambará está na parte alta dos parques e Praia Grande na parte baixa. Tanto que para chegar em Praia Grande é preciso descer a Serra do Faxinal.

Nós até pensamos em dividir nossa estada entre as duas cidades, principalmente porque alguns passeios são feitos por dentro dos cânions e saem de Praia Grande. No entanto, depois de pesquisar opções de hospedagem, achamos mais tranquilo ficar em um lugar só.

Nossa viagem começou com a chegada em Porto Alegre. Optamos por dormir uma noite na capital gaúcha e seguir viagem no outro dia pela manhã, até para ir passeando com calma pelo caminho até Cambará. Aliás, que caminho heim! 

Para o estilo de viagem que planejamos, foi imprescindível alugar um carro, até para garantir a mobilidade necessária. Por isso, assim que chegamos em Porto Alegre fomos até a Unidas, pertinho do aeroporto, e pegamos o carro que havíamos reservado.

No outro dia de manhã,  por volta das 9h, já deixamos Porto Alegre com destino a Cambará. Depois de algum tempo de viagem fizemos uma parada estratégica em São Francisco de Paula, pois havia um restaurante que queríamos conhecer.

Já era hora do almoço, então fomos direto para o Jardim Madá, um local lindo, com uma proposta gastronômica muito interessante. É uma área grande, com mesas ao ar livre e no interior. São vários ambientes, inclusive um convidativo gramado, perfeitamente montado para piqueniques. 

Como estava um pouco frio e estávamos a fim de almoçar pra valer e não apenas petiscar, acabamos optando por uma mesa, mas fiquei morrendo de vontade de fazer um lanchinho no espaço do gramado. Quem sabe em uma próxima vez não é mesmo?

Motivos para voltar ao Madá não faltam: o lugar é lindo, o atendimento foi excelente e a comida foi um espetáculo. Pedimos bruschettas de entrada e estavam perfeitas. O prato principal também foi um show, pedimos um assado de tira que estava sensacional.

Depois de apreciarmos, com calma, nosso almoço, fomos dar uma voltinha pela cidade. Paramos nos arredores do Lago Bernardo, que estava particularmente bonito naquela tarde. Tiramos algumas fotos e, com uma certa tristeza, dissemos até breve à simpática cidade.

Confesso que me arrependi de não ter reservado um dia para ficar em São Francisco, pois o lugar parece ser muito bacana, inclusive com muitos atrativos naturais nas proximidades. Motivos para voltar não faltam.

A chegada em Cambará e o nosso container

Seguindo nossa viagem, chegamos em Cambará por volta das 15h. Nossa escolha de hospedagem merece não apenas uma menção, mas uma descrição bem detalhada. Aliás, merece até estar no subtítulo desse post. É que (pausa dramática) resolvemos ficar em um container no alto de uma montanha.

Relativamente perto do centrinho de Cambará, permite chegar aos restaurantes em poucos minutos, mas também é capaz de proporcionar a imersão natural que eu tanto queria. Recomendo sem dúvidas a hospedagem no Cambará Container, principalmente para quem quer se desligar dessa visa louca que vivemos.

São quatro contêineres em um terreno espaçoso, dois deles, o Blue e o Yellow, com uma vista linda para o vale. Nós ficamos no Yellow e posso dizer que foi uma das melhores experiências de hospedagem que já tivemos. O lugar é muito funcional, confortável e bem decorado. Conta com cozinha compacta, mesa para refeições, uma simpática lareira (tecnicamente uma salamandra), varanda e um deck na parte superior. 

Como se não bastasse, ainda fomos recebidos com um carinhoso bilhete de boas vindas, acompanhado de alguns biscoitos e snacks. A diária inclui o café da manhã, que é deixado à porta em uma cesta de piquenique. Apesar de conter apenas os itens básicos, era tudo muito bem feito e saboroso.

O silêncio, interrompido apenas pelo barulho do vento e pelos teimosos passarinhos brigando com o vidro, é um carinho na alma. Durante nossa estada de quatro dias, nos demos ao luxo de acordar com o sol batendo na ampla janela, tamanha a sensação de liberdade proporcionada. Ainda conseguimos ver o pôr do sol, os luares e a geada nas manhãs. Só por isso, Cambará já merece um post.

Mas não, não é “só” isso que a região oferece. De fato, os passeios pelos parques nacionais são incríveis. Os cânions esculpidos pela natureza ao longo dos anos formam paisagens impressionantes.

Não pensem que a região tem apenas um ou dois cânions. Tem vários. Os mais famosos, sem dúvida, são o Fortaleza e o Itaimbezinho, mas há o Malacara, Índios Coroados, Churriado e tantos outros.

Como chegamos à cidade à tarde, gastamos nosso restinho de dia organizando as coisas, andando pelo minúsculo centrinho e planejando os dias seguintes. Inicialmente, havíamos pensado em tirar um dia do roteiro para conhecer Praia Grande e fazer uma trilha que parte de lá, percorrendo parte do Rio do Boi, na parte baixa do Cânion Itaimbezinho. No entanto, em razão da frente fria que se instalou na região, optamos por mudar os planos e focar nos Campos de Cima da Serra.

Assim que ajeitamos as coisas no container saímos para dar uma voltinha pela cidade. Nossa primeira parada foi no Café com Mel Bistrô, uma simpática lanchonete que também fica em um container. Lá tomamos café e fizemos um lanchinho. Pela primeira vez provamos o famoso pastel de pinhão, bem comum na região.

Encerrado o lanchinho, fomos ao mercado e compramos água para os dias seguintes, que incluíam bastante caminhada ao ar livre. 

À noite, fomos jantar no peculiar restaurante Vitrine da Truta, onde tivemos uma excelente experiência, com direito a boa conversa com o chef e maravilhosa apresentação musical dele, da esposa e do irmão. Bom, além do destaque para a proposta intimista e artística do lugar, é impossível não se render às trutas, muito bem preparadas.

Saboreamos nossa refeição com calma e voltamos para o container para descansar, ainda com a musica Vira Virou, de Kleiton Alves Ramil, cuja letra não poderia ter mais conexão com o espírito deste blog e foi lindamente cantada pelo equipe do restaurante (ao som de harpa meus leitores!):

“Vou voltar na primavera

E era tudo o que eu queria

Levo terra nova daqui

Quero ver o passaredo

Pelos portos de Lisboa

Voa, voa, que eu chego já”

Vitrine da Truta, Cambará do Sul

Cânion Fortaleza

No outro dia pela manhã, após tomar café no “quarto”, encaramos o frio e saímos para passear. Durante a madrugada os termômetros chegaram a marcar  -1, então dá pra imaginar como estava “agradável” ao ar livre. Com o passar das horas, o tempo foi ficando mais aceitável então mantivemos nosso plano para o dia: visitar o cânion Fortaleza. 

O Fortaleza está localizado no Parque Nacional da Serra Geral, cuja administração foi concedida à iniciativa privada recentemente. Com isso, para acessar as trilhas que percorrem o local e possibilitam as vistas do cânion é necessário pagar entrada. É possível comprar um ingresso combinado, que dá acesso aos dois parques, Serra Geral e Aparados da Serra (onde está o Itaimbezinho) e pode ser comprado para um ou mais dias.

Os preços e mais informações sobre os ingressos estão bem explicadinhos no site da concessionária do parque. Nós compramos para dois dias, então pagamos R$120,00 (para duas pessoas). Além disso, pagamos estacionamento no valor de R$10,00.

Deixamos o carro no estacionamento e começamos nosso passeio por uma trilha que vai ladeando uma das extremidades do cânion. As vistas desse trecho são impactantes e já deixam claro o que está por vir.

Após uns 600 metros de caminhada, alcançamos a trilha principal, que dá acesso ao topo do cânion. Essa trilha, que tem 3,5 km de ida e volta, se chama trilha do mirante. Não é difícil de fazer, mas tem uma subida bem chatinha na parte final. No entanto, a vista vale muito a pena.

Depois que encerramos a trilha do mirante, pegamos o carro no estacionamento e fomos fazer a segunda trilha do dia, ainda nas imediações do cânion Fortaleza: A trilha da Cachoeira do Tigre Preto. É uma trilha pequena, com uns 2 km no total, mas há uma parte em que é preciso atravessar o rio, bem perto da cachoeira, apoiando os pés sobre as pedras. Não chega a ser difícil, mas dá um medinho.

Depois que se chega ao mirante da Cachoeira do Tigre Petro, existem duas opções: voltar ou seguir adiante até o mirante da Pedra do Segredo. Nós seguimos porque ainda restava um pouco de energia, mas confesso que achei a tal pedra meio sem graça. É uma grande pedra equilibrada sobre uma outra pedra plana na borda do penhasco. De todo modo, se você gosta de trilhas pelo percurso e não pelo resultado, pode ir sem medo porque o caminho é bastante aprazível.

No parque há ainda uma outra trilha, chamada Trilha da Borda Sul, maior e um pouco mais complicada, que tem 14 km de extensão. No entanto, ela estava fechada no dia em que visitamos o lugar.

Encerramos os passeios à tarde e retornamos para a cidade. Fizemos um lanche no Café com Mel e depois fomos conhecer o Sabores da Querência, no centro de Cambará. Até o ano passado o local estava sediado em um sítio da família, perto da cidade. Aliás, era lá que queríamos ir, pois há um lindo pomar. Mas estão em obras, então abriram uma “filial” na cidade. Compramos algumas geleias e tomamos um sorvete, que estava sensacional.

Voltamos para o container e fomos descansar, afinal as caminhadas do dia haviam sido puxadas. Depois de um tempo de descanso, saímos para jantar. O escolhido da vez foi o Du Perau Gastro Pub, um lugar muito simpático, com decoração criativa e ambiente bacana. Pedimos hambúrguer e estava delicioso.

Cascata dos Venâncios e Cascata do Tio França

No outro dia demos uma pausa nos cânions e fomos fazer uma rota mais levinha. Depois do café da manhã seguimos para a Cascata dos Venâncios, uma fazenda que fica no município de Jaquirana, mas que não está longe de Cambará.

O caminho é parcialmente asfaltado e mesmo a parte de chão está em boas condições. Depois de uma meia hora chegamos à entrada da fazenda, onde há uma porteira com informações sobre o acesso. Alguns metros à frente há uma casa, onde cobram a entrada (R$20,00 por pessoa) e passam as instruções básicas. Fomos com o carro por mais alguns metros e estacionamos.

O estacionamento fica praticamente ao lado das cascatas e de longe já é possível ouvir o barulho da água. Eu já havia visto fotos do lugar e sabia que seria muito bonito, mas confesso que fiquei positivamente surpreendida.

As quedas d’água são enormes, com um volume muito grande. São várias cascatas, que podem ser acessadas por trilhas bem curtas. O dia estava lindo e, por ser uma segunda-feira fora do período de temporada, tínhamos o lugar só para nós.

Depois de algum tempo curtindo o local, retornamos para a cidade e fomos almoçar. Escolhemos o tradicional Galpão Costanera, mas não recomendo. Achei o preço bem salgado para o que é oferecido: um buffet à vontade sem muitas opções diferenciadas.

Depois do almoço, seguimos para a Cachoeira do Tio França, que fica na Estância Felicidade, há uns 5 ou 6 km da cidade. Exatamente como no passeio anterior, pagamos entrada de R$20,00 por pessoa, deixamos o carro no estacionamento e seguimos a pé até a cachoeira. Ela é bem menor que a dos Venâncios, mas é muito agradável. Há uma espécie de bosque no local da queda, com árvores muito bonitas e bem preservadas.

Encerrado o passeio pela cachoeira, voltamos à cidade e fomos até o Café Flor de Anis, que, além de bebidas, também serve bolos e outros quitutes. Ficamos por lá algum tempo, degustando um cafezinho e conversando com a simpática proprietária.

Café tomado, fomos dar um passeio pela praça da Igreja Matriz da cidade, onde fica a famosa Sequoia Lunar. Trata-se de uma sequoia que nasceu de uma das sementes que foram levadas à Lua pela missão Apollo 14, em 1971. Uma pequena placa no local indica a história da árvore, que teve sua origem confirmada pela NASA recentemente.

À noite, saímos para jantar. Escolhemos o Antonio’s Pub. Estava bem vazio, mas foi uma ótima experiência. O lugar lembra uma taverna, no subsolo e com decoração bem bacana. Pedimos sanduíches e chopes, que estavam muito bons.

Cânion Itaimbezinho

No outro dia acordamos de boa, tomamos café com calma e saímos para cumprir nossa agenda de passeios. O dia era destinado ao Itaimbezinho, no Parque Aparados da Serra. Lá chegamos por volta das 11 da manhã. Os ingressos já estavam pagos, estão pagamos apenas o estacionamento. Lá existem duas trilhas: do vértice e do cotovelo.

A trilha do cotovelo, primeira que fizemos, é mais longa, cerca de 6 km ida e volta, mas é bem tranquila de ser feita, pois a maior parte do percurso é através de uma estrada plana por entre as árvores.

A estrada é trafegável, mas apenas para os funcionários do parque. Apenas no final da trilha é que se tem a vista do cânion. Aliás, é possível ver o cânion e uma cachoeira ao longe. No meio do caminho, há banheiros e um pequeno trailer que vende café e alguns snacks para você comer nos banquinhos à sombra das árvores.

O visual é incrível, mas eu achei o Fortaleza mais bonito. Ficamos algum tempo no mirante localizado no final da trilha, fizemos um lanchinho básico (barrinhas de ceral que tínhamos na mochila) e tomamos o caminho de volta. 

Em seguida, começamos a trilha do vértice. Ela é mais curtinha, toda sinalizada e bem estruturada. Permite que se avistem duas cachoeiras: Das Andorinhas, com queda de 200 metros, e  a Cascata Véu de Noiva, com queda de quase 300 metros.

Em determinada parte do percurso começam a surgir algumas placas indicando o Café Vô Marçal, com indicação do caminho a seguir e das delícias que podem ser encontradas por lá. O café está perto da trilha oficial, em uma área que ainda é particular. 

É uma casa de madeira bem antiga, bem rústica e simples, mas vale muito a pena a visita. O pastel de pinhão que provamos lá foi o melhor da viagem. Ah, só aceitam dinheiro, até porque internet e energia são limitadas por lá.

Depois da pausa no café, terminamos a trilha e voltamos até o estacionamento. Tomamos o rumo para a cidade e fomos fazer um lanche no Serra Verde Café, restaurante da pousada que tem o mesmo nome.

Encerrada a refeição, fomos dar uma voltinha pelo centro da cidade, que estava movimentado em razão dos festejos da semana Farroupilha que estava começando. Inclusive, acabamos acompanhando o desfile de abertura das comemorações, que passou pela avenida principal da cidade até chegar à Catedral.

À noite optamos por visitar o Du Perau Gastro Pub novamente. Mais uma vez estava tudo delicioso e, sem dúvida, foi uma excelente forma de encerrar nossos dias por lá.

Na nossa primeira noite na cidade, o chef Marcos, do Vitrine da Truta, comentou que em razão da cidade ser pequena, todos acabariam se encontrando. Por isso, gostava da ideia de tratar todos como amigos. Depois de três dias na cidade, isso fez todo sentido do mundo. De fato, por ser um local bem pequeno, com pessoas muito amáveis, fomos inundados por uma familiaridade, como se, de alguma forma, fizéssemos parte do lugar.

Não preciso nem dizer o quanto esses dias foram importantes. Que experiência maravilhosa a que tivemos, a paz de todas as manhãs foi mesmo um presente.

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